BOAT HOUSE

ARQUITECTO /DESIGNER

Pedro Quintela

LOCALIZAÇÃO

Sintra, Portugal

DATA

2019

DESCRIÇÃO

INTRODUÇÃO
Esta casa encontrou o seu lar em Sintra, Portugal, o primeiro Património Mundial da UNESCO na Europa classificado como Paisagem Cultural que “representa as obras combinadas da natureza e do homem”. Este conceito é central nesta intervenção e tem sido a vocação do arquitecto desde a sua primeira obra. Expressar o “Espírito do Lugar” é a crença central que guia todas as suas intervenções. Através de uma abordagem holística que percebe a arquitectura como um processo evolutivo natural, pretende-se aqui criar uma intervenção consistente a partir da qual surge um lugar harmonioso. Só quando a estrutura tiver assegurado o respeito pelo lugar, o arquitecto acredita que a obra é autêntica e expressa valor, beleza e verdade.

INSPIRAÇÃO ENCANTADA
Sintra é uma floresta encantada, um autêntico conto de fadas cheio de tesouros escondidos a serem revelados pela curiosidade e imaginação do visitante. Considerada por muitos como um “Lugar Sagrado”, acolhe uma miríade de arquitectura mística desde o século VIII até aos nossos dias, incluindo um castelo, um convento e palácios. Muitos destes enigmáticos edifícios contêm símbolos relacionados com a Alquimia, Alvenaria, os Cavaleiros Templários e os Rosacruzes.
Todos eles surgiram de um diálogo íntimo entre o homem e a natureza e são únicos no espaço, mas não no tempo. São portais capazes de transportá-lo para mundos imaginários para além da realidade física.

UM TEMPLO PRIVADO
O cenário para a introspecção é ideal. A paisagem cultural de Sintra é icónica. Colinas magníficas, parques notáveis e vegetação exuberante fazem de Sintra uma conhecida rota mística e espiritual. A contemplação e a procura da alma foi uma parte intencional do programa de design. Esta casa pretende ser um local de introspecção. Ângulos de janelas, vistas canalizadas, mesmo planos de assentos convidam o visitante a fazer uma pausa, e através da natureza, sentir a sua própria natureza e talvez reconciliar-se com o seu Divino. Ao proporcionar reclusão e admiração, esta casa pretende tornar-se um anfitrião espiritual, para acolher os visitantes com perguntas sobre a existência humana. A espiritualidade aqui é dada a oportunidade de se tornar uma rotina diária ou um estilo de vida, em oposição a um horário imposto noutro lugar, fora de casa.

VIVER NO PRESENTE
O arquitecto acredita que as casas devem chamar à mente (e ao coração)
a sensação de ‘casa’. As casas onde se sente em casa são casas onde a função e o prazer são tão claros que se compreende o espaço e o seu ambiente natural tanto racionalmente como emocionalmente. A compreensão permite-lhe relaxar, sentir-se seguro e, em última análise, voltar a ligar. A alma da casa e a sua são dissolvidas numa só; as paredes tornam-se a sua pele; as janelas os seus olhos e tanto a casa como você respira o mesmo ar, ao mesmo ritmo.

VER O TAMANHO
Quanto mais pequena for a casa, mais desafiantes serão os espaços. Tão maravilhosa como um corpo humano, esta casa é uma soma de detalhes coordenados todos juntos para criar uma função específica: a vida!
Para a realçar visualmente o seu interior pequeno e estreito, as áreas sociais que irradiam da entrada no centro da casa são combinadas com um tecto alto, espaço aberto e linhas fluidas, tal como as ondas ondulantes do mar, trazendo uma sensação de calma e conforto. As áreas privadas estão localizadas em cada lado distante e, portanto, não há corredores nesta casa e todas as divisões têm luz natural e ventilação. Janelas e clarabóias estrategicamente colocadas asseguram amplas vistas para o oceano, montanhas e céu. O pequeno espaço tornou-se uma casa larga.

SIMBIOSE INTERIOR / EXTERIOR
A Natureza entra na casa e a casa sai para a Natureza. A sua relação íntima interior/exterior resulta numa partilha simbiótica de dois organismos que se diluem harmoniosamente numa única entidade permeável que permite uma vida comum com benefícios mútuos.
O arquitecto acredita que a simplicidade dos materiais realça a essência da sua arquitectura, que ele procura genuína e não mascarada. Os mesmos materiais são utilizados no interior e no exterior, tais como a estrutura do telhado de madeira, o acabamento do revestimento das paredes e o cimento acariciado do chão. A fim de integrar as cores da casa na paisagem circundante, os tons da pedra local e a areia das praias próximas foram a inspiração. Em geral, a natureza não se trata de uma cor, mas sim de tons de cores.

UMA EXPERIÊNCIA SENSORIAL
Só o essencial é bem-vindo a esta casa! Vir de braços abertos e disposto a deixar o lugar revelar e despertar os seus sentidos pode ser uma experiência de crescimento interior profundo que o poderá ajudar a regressar à sua originalidade e primazia. Pode ser uma oportunidade, um desafio!
As formas orgânicas da casa são extensões de si com a paisagem circundante e a sua ligação directa com os elementos da natureza, terra, ar, fogo e água, lembra-lhe que é você quem pertence ao planeta e não o planeta que lhe pertence. Uma intervenção arquitectónica subtil que emerge naturalmente do lugar reflecte respeito e gratidão para com o planeta em que vive.

INTIMIDADE COM A NATUREZA
Talvez o único aspecto constante da natureza seja a sua inconstância. Em locais com uma geografia tão forte como esta, situados entre montanhas e imponentes falésias com vista para o Oceano Atlântico, o tempo pode mudar drasticamente rapidamente. A casa foi concebida para ser capaz de o ligar intimamente à natureza de dentro e de fora, em quaisquer circunstâncias climáticas.
As pinturas ‘naturezas mortas’ penduradas nas paredes são substituídas pela natureza viva circundante emoldurada pelas janelas. Pretende-se que todas as vistas vistas desta casa, desde o primeiro momento em que se acorda até ao momento de voltar a dormir, sejam inspiradoras e úteis para manter uma frequência positiva e serena.

A DANÇA DO UNIVERSO
Por mais subtil que seja, o movimento é uma energia constante da natureza. O fogo move-se com o oxigénio; as sombras, com o sol; as nuvens e as árvores, com o vento; as folhas e as flores, com a brisa; a chuva, os riachos e o oceano são água em movimento e você, mesmo que esteja parado e apenas a observar, está a respirar e o seu sangue também está em movimento. Esta casa faz parte desta ‘dança do universo’ e, para a experimentar, é como fazer uma meditação ambulante pela floresta circundante, perplexa pela beleza e pelas surpresas. Quanto mais tempo a observamos e ouvimos, mais nos abrimos e nos lembramos de quem somos. A natureza deseja o seu desejo de colaborar com a orquestra da natureza. Deseja ver através dos olhos da natureza. Deseja juntar-se à dança que não tem passos. Aqui, queres tornar-te a dança.

ARQUITECTURA VS CONSTRUÇÃO
Ao longo do tempo, a relação aparentemente inseparável entre a ‘Arte da Construção’, (centrada em ter e fazer) e a ‘Arte da Arquitectura’, (centrada em ser e sentir), tem sido separada. Aqueles puros e humildes abrigos respeitosamente construídos em harmonia com a terra pela intuição e conhecimento dos nossos antepassados, tornaram-se hoje construções sem alma focalizada na ganância do homem moderno, cujas principais intenções são rapidez, quantidade e economia. Consequentemente, a essência da criação da arquitectura como uma arte reconectante resultou num processo de desumanização que nos separou da nossa verdadeira natureza. É importante começar a pensar novamente nas casas como lugares sagrados para viver, em vez de construir casas sem sentido para sobreviver.

A INSPIRAÇÃO DAS FORMAS
O desenho foi inspirado pela paisagem circundante desde a escala macro até ao detalhe, por uma casa pré-existente e por uma compreensão íntima do estilo de vida e dos desejos dos clientes. O telhado relaciona-se com a forma de uma folha, os contornos suaves das montanhas ou a ondulação do oceano. Comprimentos prolongados criam espaços com atmosferas diferentes e protegem a casa durante todo o ano, desde a estação quente e brilhante do Verão até ao frio e chuvoso Inverno. As colunas do dossel são redondas e inclinadas tais como as árvores circundantes, moldadas pelo vento norte predominante ao longo dos anos. Devido à geometria rotativa das colunas, o dossel tornou-se um lugar mais espaçoso, protegido e acolhedor.

SEGUINDO A PAISAGEM
O desafio para o arquitecto era infundir esta intervenção com a morfologia do lugar. Quanto mais ligada à natureza a casa está, mais perto se pode estar da sua essência. Isto reflectirá o equilíbrio dos seus aspectos emocionais, mentais, físicos e espirituais e, portanto, a sua melhor saúde e bem-estar. O muro de sustentação curvo do jardim é uma extensão da casa que segue naturalmente os níveis da paisagem e cria um lugar reconfortante e envolvente para se sentar à volta de uma mesa em forma de folha. Este muro testemunha uma abordagem de desenho holístico que não tem princípio e nem fim, mas sim pertence a um todo.

‘ARTITECTURA’.
Já foram dados vários termos ao tipo de arquitectura que os arquitectos criam, mas até à data nenhum parece nunca ter sido englobado na sua totalidade. Talvez porque não é um estilo arquitectónico, mas um estilo de vida baseado numa filosofia holística que engloba tantas outras artes diferentes, tais como escultura, paisagem, design, relâmpagos e mesmo, a arte de ouvir. Os verdadeiros clientes dos arquitectos são os próprios locais. É com eles que ele passa a maior parte do tempo a ouvi-los atentamente. Falam-lhe com suavidade, dizendo-lhe como querem ser reconstruídos. O arquitecto assume o papel de porta-voz, assumindo assim como núcleo central saber criar em locais únicos, o que pode, ou não, ser solicitado. É aqui proposto pela primeira vez um novo termo para este tipo de Arquitectura: ‘Artitectura’.

RITMO DA NATUREZA
Esta casa convida-o a experimentar o ritmo da natureza. Aqui acorda-se suavemente com a luz do nascer do sol a chorar as paredes, o som cristalino dos pássaros, o ar puro e fresco da floresta e testemunha-se o milagre de cada manhã com as vistas encantadoras emolduradas pelas janelas. Devido à localização, orientação e formas da casa, durante o dia pode desfrutar de uma autêntica dança de sombras como um relógio de sol que o guia através dos diferentes espaços. A noite retoma o seu aspecto sagrado como uma meditação contínua que revigora o nosso bem-estar. É acariciado pela luz da lua, o lençol das estrelas, o calor do fogo, os sons das corujas, grilos ou rãs e até a presença comum dos pirilampos mágicos.

CONCLUSÃO
A Casa do Barco trata-se de um processo de partilha divina entre o que é dado pela mãe natureza aos homens e o que os homens devolvem através da sua capacidade mágica de sentir, interpretar e criar, acrescentando valor à sua vida neste planeta. Esta intervenção procurou ir mais além do que construir uma casa com as memórias nostálgicas do passado, indo para além de suposições precipitadas como forma, forma, função e quaisquer tendências devotadas a responder a questões específicas, não recorrendo a soluções anteriores. O objectivo era compreender o lugar através das suas qualidades intangíveis, dos seus mitos, das suas lendas, das suas políticas e conceber uma casa, não apenas numa dimensão matemática, mas sobretudo, numa dimensão existencial para nos desafiar e nos envolver emocional, intelectual e espiritualmente.

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